O Moc.Eco em suas últimas seis reuniões conheceu e debateu o texto que agora temos a satisfação de colocar no nosso Blogger. Ontem como hoje os profetas continuam a falar.
Domingo de Ramos - 1/04/2012
Foto: MOC.ECO - Parque Estadual da Baleia com hospital e Pico Belo Horizonte
Qual é a grande causa por que viver e lutar?
Leonardo Boff
A humanidade está enfrentando um problema que nunca, em sua História, se
apresentou antes: tem que lutar, e comprometer-se seriamente, por sua
sobrevivência.
1. As ameaças que pesam sobre a Terra
Até pouco tempo atrás, podíamos explorar os recursos e benefícios da
Natureza, a nosso bel-prazer. Podíamos ter quantos filhos quiséssemos. Podíamos
interferir nos ecossistemas, segundo a vontade e o poder dos empresários.
Podíamos fazer quantas guerras achássemos necessárias, para nos defender ou para
atacar um eventual agressor.
Agora, já não podemos continuar nessa mesma rota. Criamos uma máquina bélica
de morte, com armas nucleares, químicas e biológicas, capazes de aniquilar
totalmente a espécie humana, sem deixar nenhum sobrevivente.
Já não podemos tratar o Planeta Terra como sempre fizemos, como se este fosse
uma espécie de baú com recursos ilimitados. Percebemos que os recursos são
escassos, e muitos deles não são renováveis.
Este pequeno planeta, velho e limitado, já não suporta nosso projeto de
desenvolvimento ilimitado.
Se continuarmos com nossa voracidade de consumo e de produção de mais e mais
bens, às custas da devastação da Natureza, iremos ao encontro de uma tragédia
ecológica e social.
Segundo alguns grandes cientistas, o aumento do gás metano – que é 32 vezes
mais agressivo do que o dióxido de carbono – pode provocar um súbito aquecimento
global e, assim, o clima pode dar um salto de 3 a 4 graus Celsius. Se isto
ocorresse, nenhuma forma de vida, tal como conhecemos hoje, teria condições de
sobreviver, inclusive a espécie humana. Talvez alguns seres humanos pudessem se
salvar, em pequenos oásis, em algum ponto isolado, ao norte da Terra.
2. Um novo começo: mudança de mentes e corações
Diante dessa situação dramática, diz a Carta da Terra, documento dos mais
sérios, nascido a partir dos princípios fundamentais da Humanidade e assumido
pela UNESCO, em 2003: «Como nunca, antes, na História, o destino comum nos
conclama a um novo começo. Isto requer uma mudança nas mentes e nos corações;
requer um novo sentido de interdependência e responsabilidade». E isto nos faz
recordar as palavras de Jesus: «Ou todos se convertem, ou todos perecerão».
Converter-se é inaugurar um novo começo, com outra mentalidade e outro
coração. É o que exige a situação da Terra e da Humanidade. Agora, é
impreterível: ou mudamos, ou nossa civilização poderá desaparecer.
Esta é a questão essencial. A nova centralidade não é o futuro do Ocidente,
ou da Igreja Católica, e sim o futuro da Terra e da Humanidade, e até que ponto
o Ocidente e a Igreja colaboram para garantir um futuro comum.
Isto não parece constituir um tema de consciência coletiva, nem para as
nações, nem para as Igrejas. Cada uma dessas instâncias pensa em seus próprios
interesses e não no destino comum. E assim vamos postergando decisões que, num
dado momento, talvez cheguem tarde demais.
Pode ocorrer o mesmo que nos tempos de Noé, que pregava a urgência de
mudanças, mas as pessoas não lhe davam ouvidos; continuavam se divertindo, se
casando... E então veio o dilúvio, que devastou a Terra. Mas agora é diferente,
pois já não é possível uma Arca igual à de Noé, que possa salvar alguns e deixar
que os outros pereçam: agora, ou todos nos salvamos, ou iremos todos ao encontro
do pior.
3. Há esperança: é uma crise, não uma tragédia
Apesar das graves ameaças, nós, cristãos, temos a firme convicção de que a
vida é mais forte do que a morte e que a luz tem mais poder do que as trevas.
Deus assumiu a Terra como Seu templo.
O Espírito a habita, com suas energias criadoras; e o Pai, que tudo
concentra, não vai permitir que esta obra de Seu amor tenha um fim trágico.
Diante da gravidade da presente situação, podemos fazer duas interpretações:
vê-la como um cenário de tragédia, ou como um cenário de crise.
Na tragédia, tudo termina mal. Na crise, tudo passa por um processo de
purificação e amadurecimento. Aquilo que é acidental, e meramente agregado, não
se sustenta e cai. Permanece o essencial, em torno do qual se pode construir um
novo ensaio civilizatório.
Parece ser esta a atual situação. Lentamente, estamos construindo uma nova
forma de habitar a Terra, de produzir, consumir e tratar os resíduos. Isso
envolverá muitas renúncias e muito sofrimento.
Não existe parto sem dor. Mas essa dor não é a de um moribundo e sim de um
novo nascimento. Para que esta transição seja possível e garanta um futuro
sustentável, é urgente que façamos, desde já, algumas opções, que vamos
considerar rapidamente:
4. Resgate da razão cordial e sensível
Até o presente momento, a razão funcional-analítica coordenava todas as
relações sociais e presidia os processos produtivos. Para esta razão, que se
implantou na modernidade a partir do Século XVII, a Terra é um simples objeto,
sem inteligência, com o qual temos apenas uma relação de conveniência... E não
algo vivo, Mãe de toda a comunidade da vida.
O domínio da razão instrumental analítica turvou a razão cordial e sensível,
através da qual nos sentimos vinculados a um todo mais amplo, o grito da Terra e
dos pobres, e nos mobilizamos para superar essa situação.
É nesta razão que estão arraigados os valores e o cuidado com relação a todos
os seres vivos. Se não resgatarmos uma razão cordial que complemente a outra,
não haverá como sentir, amar e cuidar da Terra como Mãe e
Pacha Mama.
4. A Terra como Mãe e Gaia
Desde a mais alta ancestralidade, a Terra era considerada como a Grande Mãe,
a
Pacha Mama dos andinos, a
Tonantzín dos centroamericanos. E essa
é a visão de todos os povos originários ainda existentes.
Recentemente foi confirmado, empiricamente, que a Terra é Viva: um
superorganismo que une o físico, o químico e o ecológico, de tal forma que está
sempre apta a produzir e reproduzir vida.
Já foi chamada
Gaia, nome que os gregos davam à Terra viva e produtora
de vida. Esta visão era, inicialmente, apenas uma hipótese. Mas a partir de 2002
foi comprovada como uma verdade científica.
Por esta razão, e por insistência do Presidente da Bolívia, o indígena Evo
Morales Ayma, foi apresentado na ONU um projeto segundo o qual o dia 22 de
abril, Dia da Terra, passaria a ser o
Dia da Mãe Terra. Em 22 de abril de
2010, depois de muita resistência e discussões, a Assembleia aprovou o projeto,
por unanimidade, em sessão solene.
Este reconhecimento, repleto de consequências benéficas, implica mudanças na
relação com a Terra. Se a Terra for simplesmente «terra», qualquer um poderá
comprá-la, vendê-la e explorá-la. Mas não se pode vender, comprar ou explorar
uma mãe... Pode-se amá-la, venerá-la, zelar por ela.
Esta atitude terá que prevalecer, se quisermos impor limites à voracidade
industrial. Vamos produzir para atender às necessidades humanas, mas respeitando
os ciclos e os limites da Mãe Terra.
5. O ser humano é a Terra que sente, cuida e ama
Recebemos um legado dos astronautas, que tiveram o privilégio de contemplar a
Terra lá do alto, da lua ou de suas naves espaciais. Eles atestaram que, de lá,
não há diferença entre Terra e Humanidade. Ambas formam uma única e esplêndida
realidade, inseparável e indivisível. Isso vem confirmar a visão dos povos
originários, que sabem que são a própria Terra que caminha, aquela porção de
Terra que sente, pensa, ama, cuida e venera.
Nós somos Terra. Por isso, homem vem de
humus, terra fértil. E
Adão, em hebraico, significa filho e filha da Terra fecunda, chamada
adamah. Se realmente nos sentirmos Terra, tudo o que acontecer à Terra,
de bem ou de mal, acontecerá a nós também.
E mais: somos responsáveis pela saúde da Terra. Nossa missão é ética: temos
de cuidar e, como jardineiros, proteger toda a riqueza e biodiversidade do
paraíso terreno, do Éden. Se não nos aceitarmos como Terra, teremos poucos
motivos para cuidar dela, que é nossa única Casa Comum; não temos outra.
6. O bem-viver como novo paradigma civilizacional
As culturas andinas desenvolveram, ao longo de centenas de gerações, um
conceito que traduz o tipo de relação que mantêm com a Terra: o
bem-viver
(
sumak kawsay), que não pode ser confundido com o conceito ocidental de
viver melhor, como sinônimo de qualidade de vida. No sistema que impera
atualmente, «qualidade de vida» implica um acesso maior aos meios de consumo. E
para que alguns possam viver melhor, muitos têm que viver pior.
Ao contrário: o
bem-viver pressupõe um conceito de harmonia do ser
humano com a Natureza, com suas energias, e um cuidado amoroso com relação à
Pacha Mama.
Implica relações de igualdade entre todos, na sociedade e na construção de
uma democracia comunitária, talvez uma das contribuições mais significativas à
ideia de democracia ocidental, que é apenas representativa e delegatória. O
bem-viver não pretende acumular e sim propor um conceito de economia que
seja suficiente e digno para todos.
Tudo isso parece utopia. Mas é uma utopia necessária, mais adequada ao ritmo
da Natureza e que, possivelmente, triunfará no futuro, quando a Humanidade
descobrir-se como espécie, com o mesmo destino que a Mãe Terra. Como dizia
Chateaubriand: nada é mais forte do que uma ideia, quando chega o momento de sua
realização. E este momento está se aproximando.
Leonardo Boff
Petrópolis, RJ
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